Lições de caça |
Aline Ribeiro e Cristina Ávila | |
21 Out 2005, 18:53 | |
Nove caçadores gaúchos foram a Itápolis, no interior de São Paulo, ensinar os paulistas a caçarem javali. O animal, trazido da Europa nos anos 90 para a criação em cativeiro, escapou ao controle e vem estraçalhando plantações na região há cerca de quatro anos. Na tentativa de resolver o problema, a Secretaria do Estado do Meio Ambiente, o Ibama, o Ministério Público Estadual e a Polícia Militar se uniram para traçar uma estratégia de guerra. As leis federal e estadual permitem o controle populacional de animais exóticos em São Paulo, desde que haja subsídios técnicos suficientes para avaliar a questão. “Se existem danos agrícolas e para o ecossistema, é permitido o abate. O que fizemos em Itápolis foi apenas um projeto piloto. Precisamos saber como os animais se comportam na região para depois traçarmos estratégias”, explica a bióloga Rossana Borioni, analista ambiental da gerência do Ibama de São Paulo. Durante a incursão a Itápolis, os caçadores gaúchos e técnicos do Instituto Biológico de São Paulo e da Fundação Osvaldo Cruz coletaram material genético para estudos sobre a espécie. “Matamos uma fêmea, com cerca de 100 kg, que foi suficiente para colhermos material para as análises”, conta Scherezino Barbosa Scherer, técnico do Ibama responsável pela avaliação de caçadores no Rio Grande do Sul. Segundo ele, foi mais difícil encontrar os animais no interior de São Paulo do que em terras gaúchas. “O javali é o oitavo animal mais inteligente da fauna. Eles têm técnicas especiais de andar e de se esconder. Além disso, o próprio ambiente, por ser desconhecido para os visitantes, dificultou a busca”. O javali, na Europa, é utilizado em operações de combate às drogas no lugar dos cachorros, porque tem faro muito aguçado. “Isso reforça a idéia de sua esperteza”, diz. Apesar dos minguados resultados da expedição paulista, os gaúchos são caçadores eficientes. "Eu e cinco companheiros já caçamos 80 porcos no Rio Grande do Sul desde agosto", conta o empresário Leonardo Souza, de 39 anos. Morador de Canguçu, ele viajou para São Paulo com seus 15 cães no reboque. Foi a primeira viagem longa que fizeram juntos. Partiram no último final de semana de Porto Alegre, perto da meia-noite, para evitar o calor. Percorreram 1.200 quilômetros, a 80 por hora, com paradas para dar ração aos cachorros e passear com eles, para espicharem as pernas. O javali fareja longe A perseguição a espécie Sus scrofa exige perícia e coragem. O animal é resistente e se defende com violência extraordinária. O javali fareja longe, ouve bem, conhece o território e a escuridão das matas. Para encurralar o bicho, os gaúchos levaram 29 cães, cruzas de várias espécies, principalmente pitbull e dogo argentino. A experiência dos cães é muito importante. Eles não podem molestar qualquer outro tipo de animal para que seu dono ganhe licença do Ibama para caçar javalis. "Já testamos vários métodos, mas a técnica com matilhas é a que tem dado os melhores resultados", reconhece Scherer. O javali espalhou-se na natureza em diversos estados - do Rio Grande do Sul a Mato Grosso - e arranjou inimigos. Ambientalistas o combatem por se alimentar de tudo o que encontra pela frente, de ovos de perdizes a ratos do mato. E agricultores o odeiam por devorar lavouras e acasalar com porcos domésticos, levando-os para a vida selvagem. Neste período do ano, os javalis ficam agrupados perto de córregos, nas matas ciliares, e provocam muitos danos. Fuçam as margens, sujam a água que abastece as pessoas e assoreiam nascentes. Os estragos provocados pelo animal na região de Itápolis, assim como a quantidade de javalis existente, ainda não podem ser mensurados com exatidão. A única certeza que se tem é que os prejuízos não são pequenos. “Enquanto não acabam com tudo, não param de comer as plantações”, diz o presidente do sindicato Rural de Itápolis, Valdir Butarelo. Segundo Scherer, um produtor perdeu 300 kg de aipim em 48 horas. “Em menos de duas noites, perdeu tudo.” O javali está causando perdas em pelo menos nove municípios de São Paulo, entre eles Capão Bonito, Araçatuba, Atibaia e Barretos. "Aqui em Itápolis, muita gente está assustada. Ouvimos relatos de que algumas pessoas já se machucaram - tiveram pernas rasgadas pelas presas do javali quando tentavam caçá-lo", conta André Jean Deberdt, da coordenação geral de Fauna do Ibama. Ele é biólogo especializado em espécies exóticas invasoras e acompanhou o trabalho dos caçadores. Os javalis têm aparecido nas casas, atraídos por porcos domésticos. "Nos cruzamentos, prevalecem as características selvagens. Os filhotes são agressivos e perigosos,” diz André. Os primeiros focos de javali surgiram em São Paulo em 1994, mas as denúncias dos estragos se intensificaram nos últimos seis meses. Os técnicos do Instituto Biológico de São Paulo e da Fundação Osvaldo Cruz aproveitaram a viagem para colher amostras do animal para estudos genéticos e de Hepatite E. Existe a suspeita de que os javalis são portadores de doenças. O Ibama pretende levar a metodologia de caça para outros estados que sofrem danos ambientais e onde o javali disputa a dieta da fauna silvestre. Os caçadores gaúchos, que estão organizados em uma federação há 69 anos, têm tradição na caça a javalis no Uruguai e desde 1995 já conseguiram autorizações de caça ao javali cinco vezes. A mais recente foi assinada em 4 de agosto e vigora por prazo indeterminado. O Estado do Rio Grande do Sul é o único que permite a caça a animais exóticos e nativos no Brasil. |
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