Jorge Eduardo Teixeira de Almeida* | Meio Ambiente | 10/02/2008 21h00
Fonte: http://www.sidneyrezende.com/noticia/@-6598
O movimento ecológico brasileiro gerou um circo de ilusões, alimentado por algumas das ONGs mais despreparadas do planeta.
Há mais de vinte e cinco anos acompanho o que se convencionou chamar de "movimento ecológico", isto porque sempre me interessei pela natureza: flora, fauna, ecossistemas etc, e também pelas relações do ser humano com todos estes elementos.
Ao longo de todos esses anos, muita coisa mudou, inclusive minhas opiniões (o que é absolutamente natural, pois tudo que é estático conduz a um imobilismo altamente prejudicial tanto do ponto de vista intelectual quanto das ações práticas). No entanto, nem todas as mudanças implicam necessariamente em progresso, muito pelo contrário, algumas representam retrocessos draconianos e infelizmente é esta a constatação mais dolorosa: no Brasil a "questão ecológica" não produziu resultados animadores, houve, sobretudo, um significativo crescimento dos pseudoecologistas, dos ambientalistas sentimentalóides, daqueles a quem se convencionou chamar, pejorativamente, "ecologeiros", do veganismo (através dos adeptos das idéias do filósofo Peter Singer) e confundiu-se conservação da fauna com proteção aos animais (nada contra as associações de proteção aos animais, mas isto nada tem a ver com o verdadeiro conservacionismo). E o pior de tudo, inventaram uma distinção entre natureza e humanidade, pensamento este absolutamente incorreto e que conduz a conclusões totalmente deturpadas, gerando políticas e ações (inclusive governamentais) que não contribuem em nada para uma efetiva e duradoura conservação da natureza.
Para ser claro, o movimento ecológico brasileiro gerou um verdadeiro circo de ilusões, alimentado por algumas das ONGs mais despreparadas do planeta ou adeptas de filosofias equivocadas quanto aos direitos dos animais e pelos meios de comunicação de massa, igualmente despreparados ou muito mal assessorados, tudo baseado em "filosofias" e princípios éticos supostamente de elevadas aspirações morais e dignos de uma condição humana superior, mas que de fato jogam no lixo todas as verdades científicas que estão na origem das legítimas preocupações com a conservação da natureza selvagem, além de constituírem apenas visões e interesses diversos (pessoais ou institucionais), que não representam de modo algum uma moral superior e nem mesmo um avanço nas relações do homem com a natureza, sendo apenas um festival de estereótipos maniqueístas que não têm contribuído em nada para o progresso das verdadeiras questões ecológicas.
Exemplos deste autêntico FEBEAPÁ ecológico (Festival de Besteiras que Assola o País - título de um livro de Stanislaw Ponte Preta) temos aos montes, seria até impossível listá-los todos (salvo se estivéssemos dispostos a publicar calhamaços de mais de mil páginas). Mas seria desapontador não citar pelo menos alguns. Então, vamos a eles: o verbo caçar foi estigmatizado, juntamente com o substantivo caçador, imputando-se a eles uma conotação pejorativa sem qualquer embasamento científico ou mesmo moral, a um ponto que beira o ridículo quando se substituem as expressões "pesca à baleia" e "caça submarina" por "caça à baleia" e "pesca submarina", ou seja, usam a palavra caça quando querem dar um sentido negativo a um ato e usam a palavra pesca porque a consideram menos "antiecológica". É simplesmente um absurdo, pois no final das contas pescar nada mais é do que caçar um ser aquático e, além do mais, não há nada de errado, seja do ponto de vista ecológico, seja do aspecto moral, com relação à atividade da caça em si, pois ela é apenas a coleta de um recurso natural renovável, que se devidamente regulamentada e praticada dentro dos limites suportáveis pelo ecossistema é tão legítima quanto qualquer outra atividade extrativista. É realmente ridículo ouvir pessoas afirmando que a caça é uma atividade "moralmente inaceitável" e que ao mesmo tempo aceitam ou praticam a pesca. É o caso de se perguntar se o peixe é menos animal que a ave ou o mamífero...
Na verdade o que pretendo mostrar é que não é por esse caminho que construiremos uma política realmente eficaz de conservação da vida selvagem. É primordial admitir quais as verdadeiras causas da devastação, ao invés de inventar "culpados" que servem apenas como bodes expiatórios. É preciso parar com o maniqueísmo que aponta "homens malvados" que caçam, queimam, etc, etc e achar que nós somos os "mocinhos", os heróis que lutam contra esses "bandidos". Absolutamente. A realidade é outra: os bandidos, se é que se pode chamar assim, somos nós mesmos, cidadãos urbanos, consumidores ávidos e frenéticos de tudo que para ser produzido destrói a natureza, polui o ambiente e provoca a extinção das espécies: toneladas de papel, bilhões de quilowatts de energia elétrica, bilhões de litros de petróleo, toneladas de alimentos, tecidos, etc, etc, etc... Tudo isso, para ser produzido, devasta os ecossistemas nativos e toda essa devastação só se concretiza por que nós consumimos os produtos dela resultantes. Essa é a única verdade.
Não há bandidos a serem vencidos e sim hábitos de consumo e estilos de vida a serem repensados e modificados. O que ocorre, na verdade, é que realmente não precisamos "voltar para as cavernas" ou viver como índios para conservar a vida selvagem, tampouco necessitamos abrir mão de progressos tecnológicos. No entanto, o dito desenvolvimento sustentável, só é realmente possível fora de um sistema econômico baseado no consumismo desenfreado como principal meta. Mas não podemos deixar de admitir que vivemos em uma sociedade economicamente dirigida e isso é um fato e uma realidade com a qual temos que lidar de forma pragmática, sem utopias e ilusões pueris. Muitas pessoas podem questionar tudo o que foi dito acima, utilizando um verdadeiro arsenal de argumentos econômicos, políticos, sociais, históricos, filosóficos, éticos, mas eu afirmo que por mais que falem, não são capazes de provar com fatos incontestáveis que possam conservar a vida selvagem, mantendo uma sociedade de consumo desenfreado como é a nossa, bem como é virtualmente impossível preservar a natureza sem que ela forneça alguma lucratividade, portanto os argumentos dos que defendem estas duas posições extremadas (conservação sem abrir mão do crescimento ininterrupto neoliberal e preservação total sem que haja qualquer interferência humana na natureza) não são válidos, nem, muito menos científicos, pois não podem ser comprovados. E até um ou outro exemplo que eles possam citar como argumento de que tal paradoxo deu certo em algum lugar do planeta, se você examinar com cuidado, caro leitor, encontrará contradições, meias verdades, ocultação parcial dos fatos e até mesmo algumas mentiras deslavadas.
Portanto, em uma sociedade como a nossa, só ocorrerá conservação da natureza (fauna e flora) de forma duradoura, se for agregado algum valor econômico às espécies animais e vegetais, de modo que surja o interesse real em conservá-las e até mesmo expandir seus estoques populacionais, de maneira que proporcionem renda, empregos e melhoria da qualidade de vida das pessoas envolvidas no processo (mas com mecanismos de controle que impeçam a exploração excessiva e promovam o uso racional dos recursos, diferente do que propõe o neoliberalismo econômico), sejam essas pessoas fazendeiros, moradores de regiões onde estes recursos poderão ser explorados ou empresas especializadas. Aí sim teremos um real aproveitamento sustentável dos recursos naturais renováveis.
Para finalizar, é preciso que se esclareça, por motivo de justiça e para que todos saibam o que lhes tem sido ocultado pelos meios de comunicação, pelas ONGs, pelos órgãos governamentais e por muitos políticos, que o movimento de conservação da vida selvagem e a criação dos primeiros Parques Nacionais do mundo foram obra de... caçadores, não caçadores arrependidos, como poderiam pensar alguns, mas sim caçadores que notaram a devastação causada pelo avanço da sociedade de consumo sobre os ecossistemas naturais. Mesmo que muitos não consigam entender, ninguém ama mais a natureza selvagem do que os caçadores... você não precisa caçar se não gosta desta atividade, assim como não é obrigado a pescar se a pesca não te dá prazer, mas precisa admitir que amar de verdade a natureza não é apenas ficar olhando para ela e pensar "oh! Como é bonita", isto é amor platônico. É preciso interagir com ela, senti-la em toda a sua plenitude e isso inclui extrair dela alimento, abrigo, remédios... sem devastar, em quantidades suportáveis pelo ecossistema e é esse amor verdadeiro que o caçador põe em prática, como quem colhe uma fruta e a saboreia sem destruir a árvore que a produziu.
Também é necessário esclarecer que a caça amadora, ou esportiva e mesmo a caça profissional devidamente regulamentada, assim como a pesca controlada, jamais colocou qualquer espécie animal ou ecossistema em risco de extinção. Esse fato é praticamente desconhecido da opinião pública, pois os meios de comunicação insistem em relacionar o desaparecimento de certas espécies animais com a prática da caça. Na verdade, as espécies que foram objeto de uma intensa predação humana e correram risco de desaparecimento não foram objeto de caça esportiva e sim de um mercado consumidor urbano e os agentes dessa devastação não são propriamente caçadores e sim gente sem opção de renda, que matam animais ou colhem ervas ou mineram em garimpos para satisfazer uma demanda por determinados produtos. E essa demanda é urbana. Portanto, não são caçadores e sim coletores de qualquer produto que lhes propicie um mínimo de renda para sobreviver. Ainda, assim a caça comercial pode ser viável, desde que haja regras cuidadosamente elaboradas e devidamente respeitadas, a exemplo da pesca comercial.
O homem faz parte da natureza, por isso interage com ela, interfere e sofre as interferências dela. Nada é mais natural do que isso e não é diferente do que ocorre com outras espécies. A ética proposta pelos vegans, pelos membros da Frente de Libertação Animal, pelo Peta e por alguns filósofos (Peter Singer, Tom Regan, etc) não passa de uma questão sentimentalóide e não contribui de fato para a efetiva conservação da natureza. Ser vegetariano não vai frear a destruição dos ecossistemas e comer carne não provoca o aumento dessa destruição. Precisamos viver mais intimamente a vida selvagem, interagindo de verdade com ela, ao invés de a apreciarmos somente pela televisão, revistas ou através de rápidas visitas de turismo ecológico... enquanto entupimos o ambiente e a nós mesmos de produtos e subprodutos que destroem toda aquela vida que desfila diante da tela de TV, que ilustra as revistas ou que admiramos em nossas viagens.
* Jorge Eduardo Teixeira de Almeida é biólogo.
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