Sunday, July 03, 2011

Uso de eucalipto em sistemas de integração lavoura-pecuária-floresta

Uso de eucalipto em sistemas de integração lavoura-pecuária-floresta

Roberto Giolo de Almeida, pesquisador da Embrapa Gado de Corte

domingo, 03 de julho de 2011


No Brasil, entre os anos de 1970 a 2006, houve um crescimento relativo nas áreas utilizadas com lavouras, florestas e pastagens, da ordem de 126%, 73% e 12%, respectivamente. Durante este mesmo período, o efetivo bovino aumentou em 116%. Quanto ao setor florestal brasileiro, estima-se uma área plantada com florestas de 6,3 milhões de hectares, sendo 66,5% com eucalipto, 26,5% com pinus e 7% com outras espécies. Em 2009, o consumo de madeira em tora foi de 162,6 milhões de metros cúbicos, distribuídos nos segmentos de celulose e papel (37,3%), lenha industrial (25,7%), indústria madeireira (18,8%), carvão (11,9%), painéis reconstituídos (5,8%) e outros (0,5%), sendo a demanda maior que a oferta.

Este panorama, aliado às crescentes demandas por alimentos, madeira e biocombustíveis, e às restrições para abertura de novas áreas de vegetação nativa para a agropecuária e para extração de madeira, são indicativos da tendência do avanço de lavouras e de florestas plantadas sobre áreas com pastagens, principalmente, aquelas em algum estágio de degradação. Nesse sentido, há uma tendência, para os próximos anos, de diminuição de áreas com pastagens cultivadas no Brasil, porém, com ligeiro aumento no rebanho bovino, como consequência da intensificação do uso das pastagens cultivadas remanescentes.

Com isso, nota-se uma preocupação acentuada com a preservação ambiental e a necessidade de uso mais eficiente dos recursos naturais e de insumos, para que as demandas atuais e futuras sejam atendidas e de modo que os sistemas de produção agropecuários possam desempenhar seu papel com benefícios sócio-econômicos e ambientais, trilhando o caminho da sustentabilidade.

O aumento na demanda por carnes vermelhas indica uma oportunidade para exportação do produto brasileiro, entretanto, devendo-se considerar as exigências da comunidade internacional relacionadas à segurança ambiental no processo produtivo da carne, como: bem-estar animal e qualidade da carne, conservação do solo e da água, mitigação da emissão de gases de efeito estufa e sequestro de carbono, e prestação de serviços ambientais em áreas com pastagens, sendo que tais exigências e demandas podem ser atendidas com a inclusão do componente florestal em sistemas pecuários. Neste contexto, atualmente, tem se dado ênfase a sistemas integrados de produção, como a integração lavoura-pecuária e, mais recentemente, a integração lavoura-pecuária-floresta (iLPF).

Sistemas de iLPF ou agrossilvipastoris, são sistemas que envolvem a interação dos componentes florestal, agrícola e pecuário, e caracterizam-se como um tipo de sistema agroflorestal (SAF). Os SAFs têm sido desenvolvidos em todas as regiões do país, com características específicas quanto às espécies utilizadas, ao arranjo temporal e espacial dos componentes e ao objetivo e funcionalidade do sistema. No entanto, geralmente, SAFs são entendidos como sistemas multiespécies, mais complexos e diversificados do que sistemas de iLPF que integram os três componentes nos moldes de uma agricultura mecanizada com rotação de lavouras e pastagens em associação ao sistema plantio direto.

Frente às demandas por crédito para sistemas de iLPF, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) lançou, em seu Plano Agrícola e Pecuário de 2008-2009, o Programa de Produção Sustentável do Agronegócio (Produsa), que tem como uma de suas diretrizes a implantação de sistemas produtivos sustentáveis, priorizando a recuperação de áreas e pastagens degradadas, disponibilizando linha de crédito específica para a implantação e ampliação de sistemas de integração de agricultura, pecuária e silvicultura. O Plano Agrícola e Pecuário de 2010-2011, do Mapa, inclui o novo Programa de Agricultura de Baixo Carbono (ABC), por meio do qual foram destinados R$ 2 bilhões para financiar práticas adequadas, tecnologias adaptadas e sistemas produtivos eficientes que contribuam para a mitigação da emissão dos gases de efeito estufa, como os sistemas de iLPF.

Na conjuntura atual, de demandas crescentes e estímulos governamentais, ampliam-se as possibilidades de uso de sistemas de iLPF para recuperação e intensificação do uso de pastagens no Brasil. Entretanto, devido à maior complexidade e de necessidades operacionais específicas desses sistemas, é essencial o conhecimento prévio das condições do mercado local e regional quanto à disponibilidade de insumos, maquinário, mão-de-obra, serviços e condições de comercialização dos produtos, especialmente, aqueles relacionados ao componente florestal, além das condições de infra-estrutura do sistema de produção. A partir daí, deve-se procurar por assistência técnica para realizar o planejamento das atividades.
Escolha do componente arbóreo

Na escolha da espécie arbórea a ser implantada em um sistema de iLPF com ênfase na pecuária, além de se considerar sua adaptação às condições locais de clima e solo, deve-se optar por aquelas que apresentem crescimento rápido, de modo que entre um a dois anos do plantio, as árvores tenham atingido diâmetro do tronco suficiente para que sejam minimizados possíveis danos mecânicos causados por animais em pastejo. Práticas de desrama podem ser utilizadas na condução das árvores, para minimizar os danos pelo gado; outra estratégia é utilizar animais de categorias menores, como de recria, na fase inicial de crescimento das árvores.

Outros aspectos para escolha da espécie florestal são: práticas silviculturais conhecidas; disponibilidade de sementes e mudas; espécies de leguminosas, que fixam nitrogênio atmosférico e que apresentem potencial forrageiro; e espécies que não sejam tóxicas ao gado.

Dentre as espécies florestais mais utilizadas em pastagens no Brasil, destacam-se: eucaliptos (Eucalyptus spp. e Corymbia spp.), grevílea (Grevillea robusta), pinus (Pinus spp.), teca (Tectona grandis), paricá (Schyzolobium amazonicum), mogno africano (Kaya ivorensis), cedro australiano (Toona ciliata), canafístula (Pelthophorum dubium) e acácia mangium (Acacia mangium).
Árvores de crescimento lento (menos de dois metros de altura por ano), como algumas espécies nativas, também podem ser utilizadas, quando o produto/serviço escolhido compensar o custo de proteção contra danos que o gado pode produzir nas árvores. Esta é uma limitação para sistemas silvipastoris, entretanto, para sistemas agrossilvipastoris (iLPF), pode-se cultivar lavouras nas entrelinhas das árvores, durante o período necessário para desenvolvimento das mesmas, antes da implantação do pasto e da entrada de animais em pastejo.

Em sistemas de iLPF onde a atividade principal é a pecuária, a escolha pelo componente florestal deve considerar espécies para múltiplos usos, que proporcionem madeira de qualidade para diferentes segmentos e permitindo a entrada de várias receitas durante seu ciclo produtivo. Neste caso, destacam-se as espécies e híbridos de eucalipto, por apresentarem boa adaptação às condições edafoclimáticas do Brasil, crescimento rápido com fuste alto e copa não muito densa, e madeira com características desejáveis para os segmentos de celulose e moveleiro. Práticas de desbaste seletivo ou sistemático podem ser utilizadas na condução das árvores, para obtenção de receitas a partir dos 4-5 anos da implantação do sistema.

Para condições tropicais e subtropicais, a espécie de eucalipto mais utilizada é Eucalyptus grandis, além de seus híbridos, principalmente, com E. urophylla, formando E. urograndis. Os híbridos apresentam maior produtividade, entretanto, não são indicados para regiões com mais de cinco meses de período seco. Quanto à qualidade da madeira, destaca-se o eucalipto citriodora (Corymbia citriodora), que também pode ser utilizado para produção de óleo essencial (citronela), entretanto, com taxa de crescimento inferior a E. grandis e E. urograndis, necessitando de maior período de tempo para entrada de animais em pastejo. Quanto ao tipo de solo, deve-se evitar locais com problemas de má drenagem.
Orientação e espaçamento das árvores

Na orientação das linhas de plantio das árvores deve-se considerar, primeiramente, a conservação do solo e da água. Assim, as árvores devem ser dispostas em nível e, no caso da necessidade de terraços, o plantio das árvores deve ser feito no terço inferior do terraço, para evitar danos às raízes das árvores, favorecer a infiltração de água, a conservação e manutenção do terraço e o deslocamento dos animais.
Para terrenos planos, as linhas de árvores devem ser orientadas no sentido leste-oeste.

Espaçamentos mais amplos favorecem o desenvolvimento da forrageira no estrato inferior e a produção de madeira com maiores dimensões, além de permitir o consórcio com culturas agrícolas por maior período e com menores limitações em termos de competição por espaço, luz, água e nutrientes. Do ponto de vista da pecuária, espaçamentos entre fileiras ou renques de árvores podem variar de 10 a 50 m, sendo que espaçamentos menores limitam a produção forrageira e animal. O espaçamento entre árvores, na linha, pode variar de 1,5 a 5 m.

Quanto aos arranjos das árvores, podem variar de linhas simples, duplas ou triplas, de acordo com a finalidade da madeira, e podem ser associados a práticas de desbaste seletivo ou sistemático, para produzir madeira com maior espessura e maior valor agregado. Em sistemas de iLPF com finalidade na pecuária, a implantação de linhas simples facilita no manejo das árvores, exigindo menos mão-de-obra. Arranjos mais complexos exigem mais desbastes e são indicados para sistemas com finalidade predominantemente florestal.

Implantação do componente arbóreo

Para implantação do componente arbóreo, deve-se atentar para o devido controle de formigas e cupins na área a ser utilizada e nas adjacências, antes do início do preparo do solo.

Em caso de solos compactados, deve-se realizar a descompactação na linha ou faixa de plantio das mudas. A correção do solo, com calcário e com gesso é importante para favorecer o desenvolvimento do sistema radicular das mudas. A adubação pode ser feita na linha de plantio, de acordo com o tipo de solo e a espécie florestal. Em caso de uso das entrelinhas para cultivo de lavouras, a adubação desta área deve ser feita de acordo com a exigência da mesma.

Antes do plantio, as mudas devem ser tratadas com cupinicida e fungicida, para favorecer o estabelecimento. O plantio pode ser feio antes ou após a implantação da lavoura, de acordo com o espaçamento pré-determinado. No caso de plantios realizados fora da estação chuvosa, há necessidade de irrigação das mudas e/ou uso de polímeros para retenção de umidade (gel).

Mortalidade de mudas acima de 5% requer replantio, sendo que, em sistemas pecuários, pela dificuldade de mão-de-obra especializada em manejo florestal, as perdas podem chegar a 20%. Em regiões com empreendimentos florestais, pode-se contar com a terceirização do serviço, dependendo da viabilidade econômica.
Pelo menos durante os seis primeiros meses do plantio, em faixa de 1m para cada lado da linha de plantio, deve-se controlar as plantas competidoras ao redor das mudas, para favorecer o desenvolvimento das árvores.

Manejo do componente arbóreo: desrama e desbaste

A desrama ou poda, é uma prática importante, a ser realizada antes dos animais entrarem no sistema. Serve para retirada dos galhos laterais que podem ser danificados pelos animais, causando injúria às árvores e comprometendo a produção de madeira de melhor qualidade. Também, serve para aumentar a disponibilidade de luz para o componente forrageiro que ocupa o estrato inferior.

A primeira desrama deve ser realizada quando o diâmetro do tronco à altura de 1,30 m (diâmetro à altura do peito, DAP) atingir 6 cm, sendo cortados os ramos até 2 m de altura. No caso do eucalipto para produção de madeira para serraria, com corte aos 12-14 anos, geralmente, as outras desramas são realizadas aos 2-3 anos e aos 3-4 anos, com o corte dos ramos a cada 2 m em cada desrama, até chegar aos 6 m, após as três desramas. A desrama deve ser realizada rente ao tronco, com equipamento adequado (serrote ou tesoura), para evitar tocos que comprometem a qualidade da madeira.

O desbaste consiste na retirada (corte) seletiva de árvores do sistema, com a finalidade de: fonte de receita, aumento na disponibilidade de luz para o componente forrageiro e/ou agrícola, melhoria das condições de crescimento das árvores para produção de madeira de melhor qualidade e valor agregado. Geralmente, os desbastes são orientados para manter um estande final com 30 a 50% das árvores implantadas.

Nas regiões de Cerrado, em sistemas de iLPF, o eucalipto pode sofrer desbastes sucessivos, de acordo com a finalidade da madeira: aos 4-5 anos, para carvão, lenha e moirões e aos 8-9 anos, para celulose e para postes, sendo realizado o corte final das árvores aos 12-14 anos, para serraria e laminação, seguindo-se um novo ciclo de plantio das árvores. Também, pode-se optar por apenas um desbaste, deixando-se entre 100 a 200 árvores/ha para o corte final, sendo a madeira comercializada para serraria.

Na colheita das árvores, devem-se seguir procedimentos técnicos para derrubada da árvore, arraste da tora, traçamento da tora, carregamento das toras e transporte da madeira, de acordo com o mercado comprador da madeira, da mão-de-obra e maquinário disponíveis. Dependendo da região, esse serviço pode ser terceirizado.

Benefícios Econômicos

Sistemas de iLPF permitem diversificação da renda, por meio do fornecimento de produtos agrícolas, florestais e pecuários, apresentando maior flexibilidade frente a externalidades. O planejamento e escalonamento desses produtos permitem aumentar a entrada de receitas e devido à maior eficiência de uso dos recursos naturais, de insumos, de maquinário e de mão-de-obra, apresentam melhores taxas internas de retorno do investimento, superando a renda líquida obtida nos sistemas componentes monoespecíficos.

As culturas anuais são utilizadas em sistemas de iLPF para amortizar os custos de implantação e melhorar as condições de fertilidade do solo com as adubações. Podem ser cultivadas por mais de uma safra, permitindo o desenvolvimento das árvores até a entrada dos animais em pastejo, eliminando-se os custos para proteção das mesmas. Além disso, com a adoção do plantio direto em sistemas de iLPF, os custos de implantação podem ser reduzidos em 10 a 25%.

Nesses sistemas, os custos para implantação e condução de mudas de eucalipto por um período de um ano, considerando-se as despesas com as mudas, insumos, mão-de-obra e maquinário, é de cerca de R$ 2,00/muda. Em sistemas de iLPF com eucalipto e uma safra de milho, os recursos gerados são capazes de amortizar os custos de implantação em cerca de 40 a 45%, antes da entrada dos animais. Quando é realizada a semeadura simultânea do milho com capim, em sistema Santa Fé, gasta-se menos dinheiro com o estabelecimento do pasto e antecipa-se a entrada de animais na área em pelo menos 50 dias.

Dentre os principais capins utilizados em sistemas de iLPF, destacam-se: Brachiaria decumbens, Brachiaria brizantha (Marandu, Piatã e Xaraés) e Panicum spp. (Tanzânia, Mombaça e Massai). O sombreamento promove melhorias no valor nutritivo dos capins e no bem-estar animal, possibilitando maiores rendimentos por animal.

Sistemas de iLPF com 250 a 350 árvores de eucalipto/ha proporcionam maior ganho em diâmetro das árvores quando comparados a sistemas florestais exclusivos, com 1.666 árvores/ha. Desta forma, aos sete a oito anos da implantação, pode-se colher madeira para postes de eletrificação e, aos 10-12 anos, toras com mais de 30 cm de diâmetro, para serraria.

Estes produtos apresentam maior valor agregado e podem atingir até seis vezes o valor da madeira para energia (carvão). Esses sistemas apresentam produtividade média de 25 m3/ha/ano, com possibilidade de comercialização da madeira como toras, postes, lenha, escoras para construção civil e estacas.

Em projeto em andamento na Embrapa Gado de Corte, em Campo Grande-MS, foram implantados dois sistemas de iLPF, como estratégia de recuperação de pastagem. Em setembro de 2008, a área foi preparada para semeadura convencional da soja, deixando-se espaços para o plantio de mudas de eucalipto. Utilizou-se o híbrido H-13 (Eucalyptus urograndis), que foi implantado em janeiro de 2009, em densidades de 227 árvores/ha (sistema 1: espaçamento de 22 m entre fileiras de árvores e de 2 m ente árvores) e de 357 árvores/ha (sistema 2: espaçamento de 14 m entre fileiras de árvores e de 2 m ente árvores). Após a colheita da soja, foi semeado o capim-piatã (Brachiaria brizantha cv. BRS Piatã), em abril de 2009.

Em outubro de 2009, foi realizado corte do capim para fenação. Nos sistemas 1 e 2, o custo de implantação com insumos e serviços foi de R$ 2.074,00 e R$ 2.218,00, respectivamente. Com a comercialização da soja (média de 2.100 kg/ha) e de uma colheita de forragem para feno (média de 4.000 kg/ha), obteve-se amortização dos custos de 85% e 79%, respectivamente. Se fosse cultivada uma nova safra ou mesmo uma safrinha, provavelmente, os custos dos sistemas de iLPF teriam sido amortizados aos 15 meses após o plantio do eucalipto, podendo-se introduzir os animais em pastagem de alta qualidade.

Estes dados demonstram que os custos de implantação de sistemas de iLPF não chegam a ser limitantes, num contexto de pecuária, onde os custos com cercas, bebedouros e aquisição de animais não são considerados. As perspectivas de receitas somente com o componente florestal, considerando o corte de 50%, 25% e 25% das árvores aos 7, 10 e 12 anos, para as finalidades de lenha/carvão, escoras/palanques e madeira, respectivamente, para os sistemas 1 e 2, seriam de R$ 4.930,00 e R$ 7.744,00.

Além das receitas provenientes da comercialização dos produtos, sistemas de iLPF apresentam grande potencial para fornecimento de serviços ambientais e com essa perspectiva de retorno econômico adicional, aumenta-se a possibilidade de adoção desses sistemas. O componente florestal também contribui para a beleza cênica da paisagem rural, possibilitando agregar maior valor à terra e o desenvolvimento do turismo rural, como fonte de receitas extras.

Fonte: DBO

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