O VALOR DO VERDE
Especial Revista VEJA:
A experiência de outros países mostra
que há soluções racionais para a exploração da mata
João Sorima Neto
Hotel Ariaú: dólares que vêm de fora | |
Foto: Oscar Cabral |
A região amazônica tem um potencial econômico que vem sendo sistematicamente desprezado pelos empresários e pelo governo, num desses casos de cegueira geral difíceis de entender. Nessa região silvestre, que é a maior e uma das mais belas do mundo, os hotéis são ruins e escassos, o turismo é uma atividade marginal, menos importante do que a extração predatória de madeira, e as atividades capazes de preservar a mata e gerar renda, como a caça e a pesca esportivas, são inexistentes. As reservas minerais da região são enormes e poderiam ser exploradas sem que se arrasasse a terra, com o uso de tecnologias modernas de mineração, mas é o garimpo desorganizado e poluidor que predomina. A pesca comercial, óbvia vocação da Amazônia, está sendo prejudicada pelo desmatamento das várzeas, e não há providências para evitar essa devastação.
O fato é que se pode preservar a Amazônia sem devastá-la, mas só agora essas opções começam a ser discutidas a sério, e mesmo assim entre grupos pequenos de ecologistas e funcionários do governo. "Até hoje, a premissa para explorar economicamente a Amazônia era a derrubada da mata. Há alternativas inteligentes, que precisam ser testadas", diz Garo Batmanian, um professor de ecologia, diretor executivo do WWF, o fundo mundial para a natureza, uma das mais importantes ONGs ecológicas.
Pesca do tucunaré e japoneses nos rios da Amazônia: o turismo é a melhor opção | |
Foto: Roberto Jayme |
Foto: Samuel Iavelberg |
A opção mais evidente é o turismo ecológico, modalidade de viagem que está na moda entre turistas americanos, japoneses e europeus, que já se cansaram de fotografar a Torre Eiffel. No ano passado, o ecoturismo movimentou 260 bilhões de dólares, dinheiro gasto em caminhadas pelo Himalaia, passeios em lombo de camelo no norte da África, visita a crateras de vulcão na ilha de Bali. As viagens ecológicas estão crescendo e agora se abre uma oportunidade única para o Brasil. Os ecoturistas mostram-se interessados como nunca em selvas tropicais. A Amazônia é a maior delas, mas o turismo na região é pífio. No ano passado, turistas estrangeiros gastaram 2,3 bilhões de dólares no Brasil, mas apenas 3% dessa quantia foi despendida em passeios pela natureza, divididos entre Pantanal, Amazônia e parques nacionais como o de Iguaçu, no Paraná.
É incrível, mas só nas selvas da Costa Rica, país da América Central quase do tamanho do Estado do Espírito Santo, o ecoturismo rendeu 600 milhões de dólares no ano passado. É a mata preferida dos americanos. Calcula-se que a Amazônia, 98 vezes maior do que a Costa Rica, tenha recebido apenas 40 milhões, 7% do dinheiro endereçado à Costa Rica. "Por ignorância e descaso, estamos desperdiçando uma fortuna", diz Allan Humberto de Mello, diretor do World Trade Center, rede mundial de hotéis destinada a conferências e encontros. O novo projeto brasileiro da rede é instalar um hotel em Manaus. São dois os atrativos. A capital do Amazonas fica a apenas cinco horas de vôo de Miami e, nas horas vagas, os conferencistas podem relaxar em passeios pela floresta.
Foto: Antonio Milena |
Exploração de petróleo e gás natural da Petrobrás no Amazonas: poucos danos à natureza |
Para o seu território de 5 milhões de quilômetros quadrados, a Amazônia é servida por apenas dezessete hotéis dedicados ao ecoturismo, a maioria montada nos últimos anos. "É muito pouco. Há espaço para instalar outros trinta hotéis, desde que seja feita uma boa divulgação dos atrativos que a floresta oferece", diz Roberto Mourão, consultor em ecoturismo e presidente da Associação Brasileira de Ecoturismo. Está aí uma sugestão para um governo que aprecia interferir nas atividades econômicas. No passado, ele deu subsídios para que empresários passassem o serrote na selva e montassem grandes fazendas. Isso ocorreu na década de 70 e pelo menos 300 dessas fazendas tomaram o lugar da mata. Em subsídios para desmatar a floresta foram gastos 7,5 bilhões de dólares na época, de acordo com um estudo do Ipea. Foi um fracasso, pois só 20% dos colonos transportados para a região permanecem lá. Agora, se é o caso de continuar subsidiando a Amazônia, que se pense num programa agressivo de estímulo ao turismo.
A segunda boa opção econômica para a floresta é manejar aquilo que ela tem de melhor. Além de suas árvores e igarapés, é um manancial de bichos e peixes. Aí está um esporte que anda na moda. Nos Estados Unidos, a pesca esportiva movimenta 24 bilhões de dólares por ano, com 60 milhões de pescadores licenciados. Só para comparar, o comércio de madeiras nobres em todo o mundo rende apenas 10 bilhões por ano. Portanto, dá perfeitamente para substituir o corte de madeira por outra atividade não predatória. As toras de mogno e maçaranduba não farão falta à economia brasileira. A pesca esportiva está na moda também no Brasil. Segundo a Embratur, há cerca de 6 milhões de pessoas que pescam por esporte e a turma se multiplica numa velocidade de 30% ao ano.
A caça também pode produzir dinheiro sem estragar a floresta nem a despovoar. Aliás, caça e pesca esportiva são usadas atualmente para preservar os peixes e animais, porque são feitas dentro de normas estritas. Não se pode pescar filhotes ou peixes em época de reprodução, e a caça esportiva é manejada para que o rebanho não seja ameaçado. Além disso, governos que fiscalizam essas atividades direito cobram pelo peixe ou pelo animal abatido. Quem quiser caçar um elefante no Quênia ou na Tanzânia terá de pagar até 100.000 dólares, dinheiro que reverte para a preservação da floresta, dos animais e das tribos que vivem da mata. Nos campos de caça da Argentina, um cervo sai por 2.000 dólares.
As pessoas sensíveis normalmente discordam desse esporte pela sua crueldade, mas o fato é que ele contribui para a preservação das espécies. Os perus selvagens americanos foram salvos da extinção graças a esse método. No Quênia, onde se pode caçar legalmente elefantes, a população desse mamífero cresceu tanto que chegou a criar problemas. O Brasil não fiscaliza a caça e a pesca com eficiência nem tira nenhuma vantagem econômica ou ecológica desse descaso. O resultado é que a fauna da Amazônia está sendo sangrada por piratas que matam o bicho pela sua pele ou o exportam vivo para outros países. Uma jaguatirica, que se pode comprar por 100 dólares na Amazônia, é vendida clandestinamente nos Estados Unidos e na Europa por 5.000 dólares. Um papagaio rende ao contrabandista até 2.000 dólares. Estima-se que o tráfico de animais silvestres no país movimente 1,5 bilhão de dólares por ano. O cálculo é da Traffic, uma ONG especializada no assunto. "Se a caça e a pesca fossem regulamentadas e bem fiscalizadas, o país lucraria e os animais estariam protegidos, assim como a floresta", diz Ricardo Freire, presidente da Associação Brasileira de Conservação, a ONG dos caçadores.
A Amazônia está sendo atacada por formas de atividades econômicas irresponsáveis, que sugam a riqueza da selva sem repor nada no lugar. Uma dessas atividades é o garimpo desorganizado, que produz pouco dinheiro, dilapida a mata e polui os rios com mercúrio, para amalgamar pepitas pequenas de ouro. É uma pena que não se explore o subsolo amazônico de forma racional. Ele é riquíssimo. No Pará, existem jazidas conhecidas de 150 toneladas de ouro, 18 bilhões de toneladas de ferro e cobre. Há reservas de cassiterita, nióbio, petróleo e gás. Com os equipamentos mais modernos, é possível retirar tudo isso deixando cicatrizes mínimas na mata. A Vale do Rio Doce e a Petrobrás já usam esses métodos. A riqueza mineral da Amazônia ficou abandonada por décadas porque a legislação proibia que estrangeiros a explorassem. No ano passado, a lei foi modificada e o governo pretende conceder as jazidas. Boa notícia para a Amazônia.
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