Thursday, December 30, 2010

LÁ SE VÃO SEIS ANOS...

EXCLUSIVO: Temporada de caça no Rio Grande do Sul será aberta amanhã


O presidente da Federação Gaúcha de Caça e Tiro, Lúcio Flávio Sesti Paz, é um homem acostumado aos embates. Defensor inabalável da caça amadora, atividade que leva muita gente a torcer o nariz, ele convive rotineiramente com o que classifica como “preconceito”. Suas entrevistas à imprensa são sempre permeadas por questionamentos, que ele rebate de forma serena, contra-argumentando um a um. Amanhã, com a abertura de mais uma temporada de caça no Rio Grande do Sul, seguramente Lúcio Flávio vai ter de voltar a aquecer o discurso.

A Federação Gaúcha de Caça e Tiro tem 48 clubes filiados, quase todos do Rio Grande do Sul, único estado brasileiro onde a atividade é regulamentada. Mas figuram no quadro dois clubes “forasteiros” – um do Rio de Janeiro; outro, de São Paulo -, já que nada impede pessoas de outros estados de irem visitar o extremo sul do país em busca do que consideram uma emoção.

A portaria do Ibama vai liberar a caça de três espécies de marrecos, de duas espécies de pombas e de perdizes. É um momento aguardado ansiosamente pela comunidade de 1.500 a 2.000 caçadores cujas licenças são entregues pela Federação. O processo de licenciamento anual custa a cada interessado algo em torno de R$ 750. São R$ 300 recolhidos ao Ibama, para dar um fôlego à fiscalização da atividade; R$ 375 repassados à Fundação Zoobotânica – órgão estadual que responde pelas pesquisas de fauna -; mais R$ 50 para a renovação anual do registro de caçador feito no Exército e R$ 20 por cada guia de tráfego de cada arma enumerada no registro de caçador.

Como se vê, enquanto a caça ilegal geralmente viceja no meio de pessoas ignorantes, a caça amadora reúne em torno de si uma casta razoavelmente abonada, de profissionais liberais a executivos, que encontra divertimento onde as Sociedades Protetoras dos Animais só vêem barbárie.

Rebatendo esse entendimento, Lúcio Flávio é taxativo ao posicionar sua atividade como extremamente benéfica à fauna de um modo geral. Isso porque as pesquisas empreendidas pela Fundação Zoobotânica subsidiam um manejo correto dos animais que, aliado à fiscalização por parte do Ibama e à organização da comunidade caçadora, acabaria por protegê-los. “Temos a segurança de que não prejudicamos espécie nenhuma”, diz o presidente da Federação Gaúcha de Caça e Tiro, lembrando que os recursos alocados no processo de licenciamento se revertem para a conservação de espécies, essas sim, sob risco de extinção. “Aqui temos mais animais do que em muitos estados onde a caça é proibida”, garante.

Outro aspecto levantado por ele é o financeiro. Lúcio Flávio acredita que um dos meios para se conseguir preservar a natureza é atribuir um valor econômico a ela. Idealismos à parte, de fato é bem mais fácil que um fazendeiro deixe intacta uma área de banhado, se conseguir fazer dinheiro com ela através da caça. Descartada tal possibilidade, corre-se o risco de que ele simplesmente a aterre para o cultivo de alguma lavoura.

Mas o que leva homens cultos a se comprazerem em abater seres vivos a tiros? “A caça me emociona”, diz Lúcio Flávio. A atividade desperta o instinto humano de desafiar o animal caçado. Não por outro motivo, até no site da Federação está explícito que “o caçador ético sabe os limites de sua arma e de sua habilidade de tiro e sempre tentará um tiro limpo”.

“Não há nenhuma ilegalidade em atirar em um javali correndo a 300 metros, em um pato voando a 70 metros de altura, em uma perdiz no chão, em uma pomba pousada ou em um marreco nadando. Mas é certamente antiético, e apenas um pobre esportista faria tais coisas”, coloca o site que, ao usar a palavra “esportista”, contradiz a preferência de Lúcio Flávio, para quem caça não é esporte, devido a ausência de um caráter competitivo, de ver quem caça mais.

O medir forças com o animal caçado implica necessariamente em dar-lhe chance de fuga, o que, justiça seja feita, não acontece com os milhares de suínos, bovinos e aves abatidos diariamente para chegar às panelas de gente por todo o Brasil. “O caçador ético crê em perseguição justa e nunca toma vantagem desonesta na caçada, por exemplo usando aeronaves e veículos. O caçador ético nunca abate além dos limites permitidos”, prega o site da Federação Gaúcha de Caça e Tiro.

O caso merece reflexão. É de se pensar qual seria mesmo a distinção entre comer uma ave caçada ou um boi sangrado no matadouro, salvo a diferença óbvia de, no primeiro caso, o gourmet ter sido o responsável direto pela morte do prato principal. “O homem está no topo da cadeia alimentar”, diz Lúcio Flávio. “Não dou um tiro em animal que eu não coma”.

Mesmo contrariando grande parte dos ambientalistas de todo o planeta, a caça legal é uma atividade aceita no mundo todo. Só nos Estados Unidos, há 17 milhões de praticantes. Na vizinha Argentina, pelo menos 80 fazendas vivem exclusivamente dessa atividade, atraindo turistas europeus e norte-americanos interessados em dar seus tiros em terras portenhas. Apesar de tímido, o negócio é razoável também no Rio Grande do Sul, onde a movimentação financeira gerada pela caça legal, a cada ano, chega a R$ 1,5 milhão.

Atualmente, o Ibama no Rio Grande do Sul estuda a possibilidade de liberar permanentemente a caça ao javali. A espécie não é nativa do estado: foi introduzida por europeus no sul da Argentina, chegou ao sul do Brasil e lá encontrou alimentação à vontade. Na falta de onças – um predador natural –, a população de javalis se reproduz rápida e incontidamente, devastando as lavouras da região. “O papel básico do caçador é o de conservar o meio ambiente, usufruindo da fauna sem acabar com ela”, resume Lúcio Flávio.

Mas nenhum de seus argumentos convence, por exemplo, o presidente da Associação Pró-Direitos dos Animais do Rio Grande do Sul, Airton Marcolino. “Jamais vou concordar com isso”, diz ele. “Para mim, nada justifica matar, nem que seja um rato”.

Alheia a reclamações, a temporada de caça no Rio Grande do Sul prossegue até o final do mês de agosto.

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